Sócios, diretores e presidentes de 12 empresas com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) participam como palestrantes da edição deste ano do Fórum Jurídico de Lisboa, evento que é organizado pelo IDP, a faculdade do ministro do STF Gilmar Mendes. Algumas dessas ações são relatadas pelo próprio magistrado.
Procurado, o Supremo afirmou não haver conflito de interesses na situação, disse que os ministros conversam com vários setores da sociedade e afirmou que eles compartilham conhecimento com o público ao participarem do evento. Seis ministros do STF, incluindo o anfitrião Gilmar Mendes, viajaram a Lisboa para o fórum. Já as empresas afirmaram que custearam as viagens de seus representantes e que não há pagamento de cachês.
Especialistas destacam, no entanto, que o fórum é organizado pela faculdade de Gilmar Mendes. Acrescentam, ainda, que os ministros deveriam assegurar a paridade de “armas” entre as partes e a imagem de que a Justiça não está privilegiando um dos lados.
O evento teve início ontem, na capital portuguesa. A programação, que vai até amanhã, conta com palestras de magistrados, empresários, parlamentares, ministros do governo Lula, governadores e advogados. As discussões giram em torno das transformações jurídicas no País. Além de Gilmar, estarão presentes os ministros Luís Roberto Barroso – presidente do STF –, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Dias Toffoli.
Logo após sua participação na mesa de abertura do fórum, Gilmar afirmou que há “uma certa incompreensão” sobre o caráter do evento, que une os setores público e privado brasileiros na capital portuguesa. O decano do STF argumentou que os magistrados também participam deste tipo de debate no Brasil, mas o motivo de cruzarem o Oceano Atlântico é que o “evento de Lisboa se consolidou”. “As pessoas vêm”, disse o ministro.
LICITAÇÃO. Com duas ações em curso no Supremo, ambas sob relatoria de Flávio Dino, a Aegea Saneamento ganhou quatro mesas no Fórum Jurídico de Lisboa, sobre mudanças climáticas, infraestrutura na economia global, concessões de serviços delegados e desenvolvimento sustentável. Três desses seminários ocorreram ontem. As palestras eram compostas por ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores e diretores de agências.
Em maio, a Aegea entrou com duas reclamações constitucionais no Supremo para derrubar uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) que manteve a realização de uma licitação para a prestação de serviços de esgotamento sanitário em 122 municípios paranaenses. A companhia alega que o processo permitiu a contratação de concorrentes que não ofereceram a melhor proposta. O advogado da Aegea é o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.
J&F. Também ontem, o diretor pedagógico do Instituto J&F, Luizinho Magalhães, participou de uma mesa sobre o tema “Responsabilidade Social: O Papel do Setor Público e do Setor Privado”. Gilmar estava como moderador do seminário. O instituto é a entidade de investimento social do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e que tem em seu portfólio empresas como JBS, PicPay e Âmbar Energia.
O Supremo já tem questionamento sobre a disputa bilionária entre a J&F e a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Celulose. Joesley Batista não está na lista dos palestrantes, mas marcou presença no primeiro dia do fórum. Esse é o segundo ano seguido em que ele comparece ao evento.
Na manhã de ontem estava programada a participação de Gilmar em uma palestra com o CEO do BTG Pactual, André Esteves. O tema, os desafios atuais da economia global digitalizada. O banco, que levou outros cinco palestrantes para o evento, responde a três processos no STF.
O fórum também conta com representantes da Prudential, Google, Grupo Votorantim, Eletrobras, Banco Safra, Bradesco, Magazine Luiza, Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e Cosan – todos com ações em curso no STF.
Para o advogado André Boselli, da Artigo 19, o fórum evidencia a desigualdade do acesso à Justiça e macula a imagem de imparcialidade dos magistrados. A Constituição Federal estabelece, no artigo 5.º, a igualdade das partes no curso do devido processo legal, termo conhecido como equidistância das partes.
“Eventos com esse perfil podem catalisar canais privilegiados de acesso a juízes por partes que estão litigando em um determinado tribunal, como empresários, seus representantes e políticos”, disse Boselli. “Assim, em tese, pode haver algum tipo de influência ou pressão sobre os magistrados, ainda que indiretamente. O que não precisaria nem ser empiricamente demonstrado, pois o problema é anterior: é a mera possibilidade abstrata de isso ocorrer, maculando a imagem de imparcialidade que deveria revestir o Judiciário e prejudicando a própria instituição.”
‘NÃO HÁ CONFLITO’. Em nota, o STF afirmou que ministros do Supremo conversam “com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade”. “E muitos participam de eventos organizados por entidades representativas desses setores, inclusive por órgãos de imprensa”, afirmou.
“Quando um ministro aceita o convite para falar em um evento – e a maioria dos ministros também tem uma intensa atividade acadêmica –, ele compartilha conhecimento com o público do evento (...) Não se pode considerar a participação do ministro no evento como um favor feito a ele pelo organizador. Por essa razão, não há conflito de interesses”, acrescentou o tribunal.
O IDP informou que o fórum não custeia passagens nem hospedagem dos participantes.
As empresas também negam conflito de interesse e afirmam que custearam as viagens de seus representantes com recursos próprios. RESPOSTAS. A Aegea informou que os custos para a participação no fórum de Lisboa são de responsabilidade da própria empresa, que dispõe de um rígido código de conduta e compliance. Reforçou, ainda, que não há qualquer pagamento de cachê pela participação de seus profissionais em eventos.
O BTG Pactual disse que é frequentemente convidado para participar de eventos diversos que abordam temas relevantes para o Brasil e o mundo. “Neste evento, bem como em outros, o banco arca com as despesas de seus executivos participantes.”
A Prudential informou que as viagens foram custeadas pela própria empresa e pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Complementar e Capitalização (CNseg). A empresa negou o pagamento de cachê e eventual conflito de interesse.
A Eletrobras afirmou que Rodrigo Limp representará a empresa como debatedor em painel sobre transição energética, tema estratégico para a companhia, com todas as despesas pagas pela companhia.
O Bradesco disse que a participação é realizada há vários anos em caráter pessoal e de interesse profissional.
O Ibram afirmou que está arcando com todos os custos da viagem. “Nenhum cachê ou outra espécie de remuneração pela participação de Raul Jungmann foram negociados com qualquer instituição, empresa ou pessoa física.”
O Google disse ter sido convidado a participar da programação do fórum, sem nenhum tipo de contrapartida. “Todos os custos para participação do Google no evento foram custeados pela própria empresa”.
A Cosan informou que seus executivos participaram de painéis relacionados às respectivas áreas de atuação (transição energética e desenvolvimento sustentável). “Os custos envolvidos são de responsabilidade da própria empresa, e não há pagamento de cachê.”
Procurados, Grupo Votorantim, Banco Safra, Magazine Luiza e Instituto J&F não haviam se manifestado até a noite de ontem.
Fórum de Gilmar reúne executivos de 12 empresas com processos no Supremo
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